“formigas no palato” produções 2003 apresenta:
Once upon a time...ou como o Jeremias deixou as batatas e foi conhecer o Mundo
com o patrocínio da rota do badalo fresco
1º capítulo:
A infância de Jeremias
«Quando se faz chichi na cama, a princípio fica quente,
mas depois arrefece.»
James Joyce
(Geruvaldo, avô paterno de Jeremias)
Crescendo mais que o tecto da própria casa
Geruvaldo ganhou o péssimo hábito de dobrar as costas
para evitar bater com a cabeça no mesmo.
Geruvaldo, homem visionário de espírito aberto,
sempre sonhara ter uma casa maior, mais confortável e sofisticada,
mas com o passar dos anos e restringido nos movimentos
nunca se mexeu o suficiente para alterar tão triste sina.
Até que um dia Geruvaldo, ocupado nas suas lidas domésticas,
encontrou um espelho antigo cheio de pó.
Limpou-o e para seu desespero
deparou-se com um homem corcunda e débil, muito diferente daquele
que ainda julgava ser.
E então aí nem a baba nem o ranho o ajudaram a sair
de tão frustrante situação.
Se ao menos tivesse saído à rua
em vez de sonhar com uma casa maior
Geruvaldo ter-se-ia apercebido de que lá até poderia saltar!
(Jeremias brinca aos legos)
Uma peça aqui, outra ali e no final:
um iate topo de gama pr’a bazar ‘pó Pacífico.
«Se a vida tà sinzenta arranja lapiz de cor.» Jeremias aos 7 anos
Esteveraldo, pai biológico de Jeremias,
apreciava passar as tardes dos domingos
a pescar e a ouvir um bom relato de futebol na rádio
acompanhado por Cidalinopliteia, a sua boneca insuflável.
Certo dia mais ventoso que o costume,
Cidalinopliteia caiu ao mar levada por uma aragem.
Esteveraldo mergulhou no seu resgate e foi comido por um tubaralho.
(o recreio)
Os putos todos saltam, riem, choram, correm, gritam!
Tralhos sensacionais, joelhos esfolados, narizes e dentes partidos,
cabeçadas fabulásticas nos baloiços, «dá cá essa bola q’é minha!», ranho a saltar do nariz,
baba e terra na boca, «não é nada, é minha!»
E saltam, e riem, e choram, e correm, e gritam!
Merda fora da sanita, tudo cheira a mijo, as profs a pegarem de cabeça e ZÁS!
Toma lá um chapadão no focinho p’aprenderes a ‘tar quieto!
(e saltam, e riem...)
(TPC)
"Se eu fosse um cromossoma 24 e a Terra fosse cúbica e dominada por barbies terroristas anti-pipocas gostava de:"
cunhesser o mundu
«A gueravidade só nos prende o corpo á Terra.» Jeremias aos 11 anos.
(o padrasto)
João Jorge Baptistóide,
mais conhecido na aldeia por Jojó,
era um homem pacato e reservado
e era frequentemente assediado na rua
por alguns indivíduos de carácter mais duvidoso,
que lhe proferiam frases ofensivas do tipo
“oh Jojó, faz-me um bobó!”
E mesmo embora lhe apetecesse muitas vezes
responder na mesma moeda,
Jojó continha-se de acordo com os seus padrões morais e católicos.
Um dia foi apanhado a roubar laranjas e morreu com um tiro de cartucheira.
(Jeremias brinca aos legos, 2ª pt.)
Mais duas peças acolá, outras três ali e voilá!
Um foguetão vermelho pr’a bazar ‘pá lua.
«Á putos muinta estupidos.» Jeremias aos 13 anos
(a mãe)
Já reformada, Dona Gertrudes Jovenaldina tinha o hábito
de acordar com as galinhas, ainda antes do sol nascer.
Tomava um pequeno almoço bem favorecido e pormenores como
uma colher e meia de açúcar amarelo na sua tigela de cereais muesli
com leite rico em cálcio jamais eram esquecidos.
Depois de vista a sua telenovela matinal Dona Jovenaldina
ia para o quintal onde passava largas horas a regar as suas
camélias e a conversar com elas.
«Sabiam que o vizinho de baixo e a professora da primária andam a...»
Um dia molhou os pés e morreu de uma paragem de digestão.
2º capítulo:
A hora de Jeremias
Num gesto demorado
Jeremias recolheu o sacho,
limpou o suor da testa e olhou o sol por um momento
na tentativa de adivinhar que horas seriam.
As poucas nuvens no céu permitiam analisar com clareza
a posição do sol. Era fácil.
Olhou de novo a terra e fixou as batatas como nunca o fizera antes.
Foi então, num momento de distracção superior,
que Jeremias deixou fugir da boca uma frase que nunca mais o deixaria igual.
“São horas de conhecer o Mundo!”
Jeremias faz as malas e segue viagem.
3º capítulo:
Jeremias vai ao Oráculo
«Esta merda é maior do que eu pençava.» Jeremias, ao fim de duas horas de viagem.
(o Oráculo)
Uma vez iniciada a sua grande viagem Jeremias sentiu-se um pouco perdido o que não é mais do que natural se for tomado em conta tratar-se da primeira vez que Jeremias saía da aldeia. Tomou então a decisão de passar no Oráculo a fim de esclarecer as suas ideias. Chegado ao Oráculo Jeremias, um pouco ansioso, olhou em volta procurando alguém com quem falar, alguém que o pudesse orientar e elucidá-lo do seu verdadeiro propósito neste mundo. Uma pergunta simples, pensou. Porém não seria uma resposta simples a vir ao seu encontro. Após uma longa espera, Jeremias perdeu o receio e gritou para as paredes: “Quem sou eu!? Que faço aqui!?”
As paredes sacudiram, como se tentassem rir. Jeremias sentiu-se incomodado mas não desanimou. “Qual é o meu destino!?” Foi então que numa parede começaram a manifestar-se fenómenos estranhos. Sacudiu ao início e de seguida mudou de cor. Esbranquiçou. Nela começaram a ser projectadas imagens vindas não se sabe de onde. Ao início difusas e desfocadas, mas pouco a pouco foram ficando mais nítidas. Eram imagens antigas, provavelmente de um noticiário. Ouvia-se uma reportagem: «A hipótese de que a pop poderá vir a destronar o MIR, Movimento Intelectual Renovador, é uma previsão mal recebida no panorama meteorológico global. Porém, foram encontrados em escavações recentes na Antárctida fósseis de camelos de cinco bossas que, após longas semanas de investigações, provaram o triunfo eminente da pop com alguma brevidade pela mão de Jeremias, o profeta da pop que há-de vir ao Mundo. Os líderes políticos das principais potências mundiais já vieram a público tentar acalmar as populações e afirmar que serão usados todos os esforços possíveis para combater as histórias da Carochinha e dos super-heróis de fatiotas ridículas; reforçam a importância desta luta ao afirmarem:
“Venha ao Mundo quando vier Jeremias, esse tal profetazinho de que tanto falam, será sepultado no cemitério dos traidores do MIR ao lado da campa da pop.”»
Jeremias ficou estático. Boquiaberto. Após uma longa análise mental ao vídeo que acabara de ver meteu as mãos à cabeça e gritou com toda aforça dos seus pulmões, “EUREKA!!!”
Jeremias sentia-se como se dos seus ombros tivessem tirado uma baleia azul. Pelo menos uma baleia azul bebé, acrescentou à sua linha de raciocínio. Bem, talvez um golfinho, corrigiu, ou um atum. Mas dos grandes. Mas que interessava o tamanho do bicho afinal? Sentia-se tão feliz por finalmente saber quem era e conhecer o seu verdadeiro propósito neste planeta que decidiu reiniciar de imediato a viagem, cheio de entusiasmo, desta vez com o objectivo claro de espalhar a verdade da pop.
4º capítulo:
Jeremias, o profeta, vai à floresta
Pela noite, já Jeremias havia conseguido reunir
bastantes animais da floresta à volta de uma fogueira
que ateara com pequenos ramos secos,
e numa longa conversa instruiu-os para que pudessem
compreender a doutrina e ajudá-lo nessa grande tarefa
que era a de espalhar a verdade da pop.
Do lobo mau ao javali, dos veados às raposas
do pardal ao colibri, e mesmo aos mais pequenos,
formigas, abelhas, mosquitos entre tantos,
todos escutavam atentos as palavras sábias de Jeremias.
O triunfo da pop era uma convicção de todos quantos
testemunharam tamanha celebração da pop
e Jeremias aproveitou a ocasião para fundar
a Frente de Libertação da Pop,
a FLP.
Em apo(p)teose Jeremias, o profeta,
era nomeado Senhor da floresta.
(o lobo mau, braço direito de Jeremiasna liderança da FLP)
À hora do chá
o lobo mau uivou alto do cimo da colina
para que os três porquinhos e todos os
capuchinhos vermelhos da floresta o ouvissem:
«Camaradas, eu tive um sonho!
Um sonho grande, um prenúncio de um mundo melhor
que precisa ser partilhado com todos.
Sonhei que o mundo era perfeito e todos os que nele
viviam eram felizes. Um mundo pop
recheado de arco-íris lilases no horizonte,
pais natal hippies no poder político,
telenovelas árabes em horário nobre,
vibradores gigantes flutuando nos céus como nuvens,
super-heróis domésticos controlados à distância,
e cowboys cor de rosa nas montras das lojas!
Um mundo onde a justiça e o entretenimento rápido são
máximas do povo, e onde todos estão mais
protegidos dos pacotes de leite transgénico e
da conspiração da caça ao lobo.
Camaradas, eu tive um sonho.»
«Desculpa, eram as ormonas a pençar alto.» Jeremias aos 25 anos
(capuchinho vermelho, simpatizante do MIR)
E lá ia a menina do capuchinho vermelho
com a sua cesta bordeaux na mão esquerda
apanhando cogumelos aqui e ali
pela floresta fora,
a caminho de casa da sua querida avózinha.
Na cesta levava ainda um frasco de compota,
rebuçados mentol e um bule com o chá preferido da avó.
Fazia este percurso todos os fins-de-semana
depois de sair da faculdade,
sempre com um grande sorriso rasgado na cara.
Hoje, porém, fazia-o triste. No dia anterior vira num canal televisivo,
ao que parece muito popular no seio do MIR,
que um dia o sol iria explodir
e destruir o planeta Terra bem como todos os
outros corpos celestes do sistema solar.
(BUUUUUUUUMMMMM!!!!!
Vai mas é apanhar cogumelos venenosos e come-os!!!
AHaHAhaHaAhAHa!
E COME-OS!!!!! E COME-OS!!!!!
BUUUUUUUUMMMMM!!!!!)
E isto deixava-a muito preocupada.
5º capítulo:
Jeremias, o profeta, vai ao deserto
(o tio)
Manuel Joaquim,
mais conhecido por Manú, o cowboy do meio dia,
dominava o calibre como ninguém
e era muitas vezes comparado a Lucky Luke
o qual, diziam, não passar de um docinho ao seu lado.
Amigo do seu amigo,
tinha por hábito ir à tasca pela manhã emborcar bagaços
e contar as suas aventuras de quando era Senhor do Texas.
Ele e Harley, o seu cavalo fiel, travavam confrontos épicos
e duelos inimagináveis nas paisagens mais
desérticas do Oeste. Era confidente dos abutres e dos cactos
com os quais partilhava muitos finais de tarde calorosos
a contemplar o pôr do sol e a fumar do cachimbo da paz.
Amigos do peito, acrescentava.
«Hasta la vista Bambi!» era a última frase que os seus inimigos ouviam
antes de irem prestar contas a Satanás debaixo da Terra.
Um dia, mais alucinado que o normal, pôs-se no meio da estrada
imaginando combater os índios Apaches
e morreu atropelado.
«Se tudo o que vem á rede é peiche vai lá fud** carapaus!» Jeremias aos 29 anos
Nem só de cactos vive um sapo
objectou Jeremias, bastante desidratado,
constatando que o dia anterior passara depressa.
Aliás, ultimamente,
todos os dias passavam depressa
na terra das 1001 desculpas para apanhar sol.
”Lucidez, não bazes my love” – pensava
Jeremias para os seus botões.
(o meio irmão de Jeremias,
representante da FLP em África)
Era nos dias de maior calor
que John Fagundes,
imigrante clandestino no Zimbabwe,
se sentava no banco da varanda e ressonava alto
sonhando com algodão doce e coelhinhas da Playboy.
Um dia engasgou-se na baba e morreu asfixiado.
«Merda! Não se paça nada aqui...» Jeremias, saindo do deserto.
6º capítulo:
Jeremias, o profeta, vai ao Pólo Norte
(Branca de Neve e os 7 anões,
representantes do MIR no Pólo Norte)
Ao pressentir uma abstracção perturbante
Branca de Neve perguntou num tom cáustico
a fim de quebrar o gelo:
«Que se passa profeta,
andas a voar até onde as asas não aguentam!?»
Jeremias palitou do canino direito um pedaço de carne,
mastigou-o de novo e retorquiu em jeito de comentário,
fazendo denotar uma enorme indiferença:
«Não te iludas fofa... adoro vertigens!»
Entretanto, não muito longe dali,
o pai natal colocava o saco das prendas no trenó,
dava um torrão de açúcar a cada uma das renas e seguia viagem.
O percurso era tempestuoso e difícil mas o sacrifício era
recompensado pelas expressões mágicas das crianças
na manhã seguinte, ao abrirem as prendas.
“Oh! Oh! Oh! FODA-SE! OH!” – gritava histérico,
por cada lareira acesa que encontrasse.
«Merda! Tambèm não se paça nada aqui...»
Jeremias, saindo do Pólo Norte.
7º capítulo:
Jeremias, o profeta, vai a Hollywood e salva a pop
Chegado a Hollywood Jeremias, mais lúcido do que nunca,
não se acanhou com o poder das lights, das palmeiras,
do fast food desmedido, dos carros desportivos, do living la vida louca,
dos “I love you” como quem come batata frita,
dos sorrisos artificiais nem com os implantes de silicone.
Jeremias apalpou o terreno pelas partes e logo pôs em marcha o seu plano astucioso
fazendo uso da sua fantástica retórica.
Não levou muito tempo a formar a Associação Underground
de Apoio à FLP, a AUAFLP,
muito à custa de uma fortíssima adesão de actores frustrados,
facilmente influenciados pelo grande carisma do profeta.
Esta associação prosperou de tal modo na cidade
que já era difícil controlar os comentários da imprensa,
há algum tempo no rasto dos acontecimentos.
Entre os nomes mais mencionados pela comunicação social
encontrava-se um que iria aparecer nos livros de história
do ensino escolar por muito tempo. Tratava-se de Josefeida Antonieta,
braço esquerdo de Jeremias na liderança da FLP.
Um registo raro de Agostinho, o neurónio fugitivo
(Conta-se ainda por aí que Agostinho ambicionava tornar-se um actor consagrado de filmes intelectuais mas, ao que parece, terá chumbado a todos os castings a que se propôs acabando por perder o seu rumo dentro do MIR. Como consequência disso ter-lhe-á sido declarada insanidade mental e respectivo aprisionamento num hospício local muito conceituado.
E foi então que Agostinho fugiu à procura de melhores sinapses e aderiu à AUAFLP,
sendo um dos militantes que mais contribuiu para o triunfo da pop.)
(a entrevista)
Munida de uma mini-saia justa verde alface
e de um decote perigosérrimo
Josefeida Antonieta cruzou as pernas,
piscou um olho e fez beicinho.
Warhol, mestre da pop, diria um dia mais tarde
“Que belos lábios carnudos!”
Escusado será dizer que Josefeida
conseguiu o papel,
consumando o triunfo da pop nos estúdios de Hollywood.
Jeremias, o profeta, sentia-se como o Senhor do mundo
quando já acomodado no seu Hotel particular de seis estrelas
mandou mudar o nome da cidade de Hollywood
para Popland, a nova capital do seu império.
Ordenou ainda que retirassem do cimo da colina
as letras de HOLLYWOOD,
visíveis a muitos quilómetros de distância,
para no seu lugar colocarem:
JEREMIAS, THE LORD OF POPLAND,
um tributo digno reconhecido à sua pessoa.
(Discurso de Jeremias em directo dos estúdios de Hollywood)
Isto ‘tá ligado? Liguem lá essa merda!
Ahn? Vai, segue, segue, foda-se...
Mundo!Estou hoje aqui, eu, Jeremias, o vosso líder,
para vos dar a conhecer a Nova que há muito esperávamos:
a FLP controla agora todos os meios de comunicação à
face da Terra, o instrumento de maior poder do extinto MIR.
A pop é grande e doravante irá dominar todo
o globo terrestre! Mantenham os vossos
órgãos sensoriais bem abertos e deixem-se levar por ela
que ela saber-vos-á conduzir por esse caminho fabulástico
que é o caminho da pop.
E toda a gente cantará o nosso hino, todos os dias,
ao acordar e ao deitar, para bem da nação:
”a pop é grande e por ela cantarei!
salvé! jeremias, o profeta! salvé!
a pop é grande e por ela morrerei!
salvé! jeremias, o NOSSO líder! salvé!
ERA UMA VEZ O MIR, PUFF! ONDE É QUE ELE ‘TÁ AGORA?!
VIVA O ENTRETENIMENTO rápido, VIVA! VIVA!
A POP VEIO P’RA FICAR, APESAR DA DEMORA!
VIVA O ENTRETENIMENTO PURO E DURO, VIVA!
a pop é grande e por ela cantarei!
salvé! jeremias, o profeta! salvé!
a pop é grande e por ela morrerei!
salvé! jeremias, o NOSSO líder! salvé!”
E todos os que sobreviveram nesta história viveram pop para sempre.
FF