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caldo verde... oh home forte caldo verde!

Tuesday, November 28, 2006

120 dias de Curso Profissional

42º dia

Lá estava ele com a mesma lengalenga de sempre. A cara descaia-lhe para o queixo rapado, com o labiozinho tremido debitava a mesma lengalenga. Era extenuante ouvi-lo, era um verdadeiro massacre de neurónios. Milhares sucumbiram perante aquelas rajadas de lengalenga.
E a porta silenciosa convidava a sair daquela sala, sempre que para ela olhava, lá estava, provocadora e insinuante.
Que se passaria para além dela naquele dia e àquela hora.
Após um longo suspiro concentrei-me no ecrâ do colega do lado, estava entretido num sitio de duvidosas damas semi-despidas e nuas de preconceitos escancarando o sexo de forma obscena e quase tão provocadora como a porta. O convite era no sentido inverso: não uma saida rápida, mas antes, uma triunfal entrada de arquear a espinha, ou pelo menos assim o julga o tipo do lado que pestaneja líbido.
Por cima do meu ecrâ, do outro lado da sala, de frente para mim, a miúda trabalhadora dos olhos grandes fixava de forma fingida o seu monitor.
Notei nela o mesmo desespero angustiante e corrosivo de ali estar.
Coitada, está de costas para a porta de contraplacado, sente somente o seu calor na nuca.
Tenho a certeza de que pelo menos o seu calor ela sentia.
De vez em quando trocamos olhares cúmplices. No reflexo dos meus olhos ela sentia a porta.
O tipo da lengalenga não se calava e parecia até que falava mais alto, foda-se, é que parecia mesmo que falava mais alto.
Abri um sitio no quadrado luminoso. O processamento lento, moroso e fatigante fez-me quase desistir, mas a opção era ouvir a lengalenga que o outro vociferava. A espera valeu a pena, cores garridas e movimentos vectoriais desencadearam naquele momento uma dormente apatia que me consolou.

63º dia

Bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla...
- Telebica faz favor!?
- Sim..., queria um Expresso duplo sem açúcar e com cheirinho... Pode ser com cheirinho?
- Claro que sim - disse a porta de contraplacado.
De olhos semicerrados olhei para o formador mecanizado, as rodas dentadas oleadas giravam velozmente e ele, em estado metálico, continuava a lengalenga.
Senti a bola do meu rato em apuros, desmontei-o e soprei lá para dentro. Senti o vazio. Voltei a pôr a bola e encaixei o anel.
Bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla...
Tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac...
Bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla bla ...
Ouvia e tentava ouvir melhor as frases disconexas do tipo da lengalenga, mas a fadiga atacava-me impiedosa e sorrateiramente.
Acordei com o homem de metal a bater com a sua mão pesada no meu ombro.
Tinha apagado sobre o teclado e babei-me tanto que as teclas "control" e "z" deixaram de funcionar.
O tipo olhou-me de cima a baixo, inequivocamente o lábio tremido disse bla bla, eu disse que sim e ele continuou a dar a sua aulita. Tudo sobre rodas... dentadas.

76º dia

O tipo da lengalenga devia de lá estar, frente àquelas duas filas de PCs pejadas de coniventes vítimas que o escutavam com o ouvido para ele voltado.
A cara descaida para o queixo rapado estava concerteza a ladrar mais uma lengalenga daquelas de mandar tiros de cartucheira nos pézinhos até se esvair em sangue e ficar de um pálido mármore silencioso.

Eu só podia imaginar a tremenda quantidade de informação desnecessária que ele estaria a cuspir. Naquele dia estava com uma gripe ranhosa e fiquei em casa. Debaixo dos lençois suados imaginava o sofrimento daqueles colegas.
O tipo do lado estava provavelmente satisfeito, observando períneos alheios.
- "O limite é o céu... da boca."- estaria ele a pensar naquele momento. Uma vez tinha-me dito aquela frase, enfatizando a conclusão de forma exagerada, à qual reagi rindo convulsamente, quase urinado as calças, a partir desse dia ele dizia a frase sempre que podia.
Eu esboçava satisfação e ele voltava para o site do costume.
Levantei-me para ir à cozinha, desmaiei no corredor. Quando voltei a mim: comprimidos prá boca, xixi cama.
Pois no outro dia tinha curso profissional.

1 Comments:

Blogger Dissid3nt said...

ahahah eu sei onde é que foste buscar inspiração para este post :) Muito bom
Long life to Johnny War :p

1:11 PM  

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