Ouço o palpitar do contador de água na parede dos vizinhos, o refluxo de água aquecida produz um ruído áspero e seco nos canos. Já nasceu um novo dia, mas no escuro do meu quarto, insisto em dormir.
Lembro-me do sonho que estava a ter. No sonho estava a ser salazaristicamente teimoso obtendo a desaprovação de dois amigos Estou preocupado com estas personagens que o meu cérebro produziu, a minha conduta para com eles foi pouco apropriada, desejo voltar ao sonho e obter a ambicionada aprovação dos sonhados amigos pedindo-lhes desculpa pela minha teimosice, mas sou acometido por um estranho desejo de não o fazer.
Rebolo mais uma vez e não volto a dormir.
A madrugada é o momento de maior claridade mental na vida de um teimoso.
O problema de um teimoso compulsivo é que muitas vezes tem razão, mas ao expressar a sua razão fá-lo com agressividade e conduta pouco própria para quem se encontra do outro lado do diálogo.
O outro problema é que muitas vezes não tem razão mas segue a mesma lógica de quando tem.
O teimoso não é parvo, estúpido ou ignorante. Normalmente é um imbecil e sente um misto de gozo e asco no acto de ser teimoso, é um agridoce a que se acostumou e do qual não prescinde para condimentar a sua vida.
O casamento por exemplo, mais não é que a junção de dois teimosos que insistem em ficar juntos apesar de todos os indícios contra. Podemos pensar que o matrimónio é uma falácia, mas parece que ainda há gente que se ama e acredita em tal contrato.
O teimoso gosta de ter razão, insiste em incitar e promover o seu estilo de vida nos outros, insiste que todos deveriam ser como ele.